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Cidades inteligentes demandam não apenas tecnologia: é necessário engajamento e transparência

Atualizado: 26 de mar. de 2021

App reforça vínculo entre poder público e cidadão


Cidades com tecnologia aplicada prometem administrações mais eficientes, mas requerem uma intensificação do relacionamento entre a administração e o munícipe. O uso de aplicativos participativos tem sido uma saída viável para administrações públicas ou empresas cujo foco é a implantação da tecnologia na política pública.


Lançado há três meses, o aplicativo brasileiro QZela oferece ao munícipe uma ferramenta completamente integrada aos espaços urbanos, usada para apontar 400 problemas de zeladoria, que vão para um banco de dados gerido por inteligência artificial.


QZela é baixado no próprio celular do munícipe, e o uso é gratuito, com consumo mínimo de internet e memória do aparelho. Relatar um problema não leva mais do que 30 segundos, e a informação fica registrada com data, localização, foto, classificação e criticidade.


O que define a inteligência de uma cidade?


Desde caminhões de lixo automatizados até programas que disponibilizam informações geradas no município, ou esforços mais substanciais, como Smart Dubai e e-Estonia, as ferramentas digitais têm sido cruciais para a prestação e a inovação do serviço público.

No Brasil, várias cidades caminham a passos largos para a tecnologia. Em 2019, o Ranking Connected Smart Cities elegeu Campinas-SP como a campeã em uma lista de 100 municípios nos quais se avaliou o uso da tecnologia para melhoria de 70 indicadores de qualidade de vida.


Cidades menores também dão seus passos. Com 275 mil habitantes, Juazeiro do Norte, no Ceará, foi a primeira cidade brasileira a sancionar uma lei municipal “Inovação e Smart City” (Lei Complementar 117/2018). Entre as ações programadas para Juazeiro, estão a instalação de lâmpadas LED controladas remotamente, videomonitoramento, ampliação de rede pública de wi-fi, criação de um centro de controle de segurança e implantação de um app que envolve ferramentas de gestão e serviços ao turista.


O que essas iniciativas têm em comum é uma visão arrojada sobre o futuro, e sobre os problemas a serem enfrentados daqui para a frente. Entre eles, estão fatores como energia, informações mais confiáveis e transparentes, redução de acidentes, menos desigualdades sociais e digitais e otimização dos processos de zeladoria urbana, de modo a refletir diretamente nos custos e na qualidade do serviço prestado ao município..


Boas práticas da cidade inteligente


Segundo o pesquisador americano Matt Leger, especialista em tecnologia e política pública, tornar uma cidade inteligente requer movimentos arriscados, uma vez que não há ainda um “manual universal de boas práticas” para a implantação tecnológica.

Assim, a transformação, quando não cumpre etapas cautelosas, deixa os municípios – e os munícipes – à mercê da invasão de privacidade, discriminação e manipulação cibernética. Este é um cuidado que os desenvolvedores do app QZela têm ao extremo: manter a plataforma segura contra ataques cibernéticos, oferecer proteção de dados ao usuário e zelar pela autenticidade das informações.


Matt Leger diz que, por mais que a ideia de prover inteligência à administração pública seja tentadora aos gestores, é necessário reconhecer que a população, que, teoricamente, mais se beneficiaria, ainda não está segura. O caminho para essa implantação, portanto, passa necessariamente pelo estudo cuidadoso dos projetos, de forma que se construa a confiança na tecnologia, e por uma comunicação bastante clara.


A narrativa deve ir além do foco na “inteligência”, mas sim naquilo que ela realmente vai trazer: permitir mais agilidade em responder à população, oferecer serviços personalizados, dados e evidências para desenvolver e implementar novas políticas e gerar oportunidades econômicas mais igualitárias.


A tecnologia antigamente era o principal objetivo, e agora é mais um impulsionador", diz Renato Castro, especialista em Cidades Inteligentes e embaixador brasileiro de Smart Cities do Fórum de Londres.


Além disso, usar inteligência e tecnologia é crucial para manter a infraestrutura de zeladoria a um custo mais baixo, e isso se reflete no bolso do contribuinte. Com ferramentas tecnológicas bem implantadas, os gestores públicos podem tomar decisões mais assertivas, rápidas e proativas para servir à população e sanar problemas.


“É um sistema em que todos ganham”, explica o CEO de QZela, Roberto Badra, engenheiro de formação que tem MBA em gestão pública pela FGV. "O munícipe, porque tem uma vida melhor em uma cidade mais bem administrada. O prestador de serviços, porque pode refinar seu planejamento e realizar uma gestão que lhe permitirá reduzir custos e trabalhar de forma mais eficiente. E o poder público, porque possui uma ferramenta para reduzir gastos e controlar melhor os resultados."


Se ganhar a confiança do munícipe é condição para que o poder público introduza a tecnologia na gestão, o contrário também é verdadeiro: é necessário que a administração pública confie nas informações prestadas pelo cidadão. “Empoderamento” é a principal motivação do app QZela: ao reunir as informações em um único sistema, elas ganham corpo e dão mais voz ao munícipe, que pode reivindicar soluções de problemas relacionados aos espaços públicos.


Em Portugal, país que implantou um sistema “transversal” de modernização administrativa, o Simplex, a postura do governo foi inclusiva. Em um painel organizado pela Fundação FHC, em São Paulo, o secretário de Modernização Administrativa do país, Luís Filipe Loureiro Goes Pinheiro, explicou que alguns sistemas do programa português inverteram a lógica de desconfiança da administração pública em relação aos cidadãos. “Passou-se a adotar uma atitude positiva, que confia a priori nas informações prestadas, para fiscalizar posteriormente”.


Caminho sem volta

O processo de implantação de tecnologia na gestão das cidades é irreversível: pausar ou cancelar projetos pode causar danos à economia do município, justamente numa época em que a demanda por serviços públicos em geral está em ascendência.

A cidade deve estar preparada para abraçar um caminho consistente na direção da inovação e tecnologia. Isso inclui dispor de reservas financeiras suficientes para a construção e manutenção de infraestrutura digital, investir em mão de obra qualificada tanto para o operacional quanto para a inteligência requerida pela análise das informações (big data) e ter diretrizes claras no sentido da inovação, evitando a “modernização de estruturas obsoletas”.

Nesse sentido, é importante também que as lideranças comuniquem seus progressos publicamente, e com frequência: vitórias, desafios, empecilhos, detalhes dos projetos e seu ciclo de vida, e demonstrações atualizadas sobre o status de cada uma das iniciativas devem estar disponíveis em canais de fácil acesso, como redes sociais e aplicativos de uso simplificado.

Afinal, tanto a população quanto as empresas e as administrações públicas tornaram-se mais exigentes quanto à clareza dos processos e a visão do que significa tornar uma cidade inteligente.

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