Oito a cada 10 empresas usam a tecnologia para monitorar seus colaboradores; prática de cobrança excessiva vindo de líderes afeta engajamento, saúde mental e cultura propositiva.
As empresas estão microgerenciando os trabalhadores até o seu limite, seja ao monitorar a frequência no escritório e, até mesmo, os dias de licença médica. Como essa prática pode ser prejudicial para o ambiente corporativo e, também, qual caminho para amenizar isso?
A consultoria global de gestão organizacional, Korn Ferry, identifica que o controle excessivo dos líderes nas tarefas dos colaboradores, verificação constante sobre as demandas já definidas e até mesmo adoção de um modelo com pouca comunicação e mais autocrático de gestão, afeta à vida pessoal dos funcionários e são alguns exemplos da prática “micromanagement” (microgerenciamento).
Rodrigo Araújo, presidente da Korn Ferry no Brasil, acredita que o microgerenciamento traz uma série de consequências que podem se agravar caso negligenciado. “A prática muitas vezes afeta o desempenho profissional do colaborador e, consequentemente, de toda a equipe. O micromanagement contribui diretamente na produtividade. Falta de autonomia e diminuição do progresso individual, podem levar a um baixo engajamento. O impacto negativo à saúde mental contribui para absenteísmo e alta rotatividade”, alerta.
Um levantamento da Korn Ferry revela que oito a cada dez empresas usam a tecnologia para monitorar seus colaboradores, incluindo até mesmo a identificação das razões de atestados médicos de afastamento, e a frequência em que vão para os escritórios.
Em contra-partida, um outro material elaborado pela Korn Ferry, denominado “Self-Disruptive Leader: What, Why, How”, identificou que 67% dos investidores pensam que os líderes de hoje não estão preparados para o futuro. Neste conteúdo foram entrevistados 800 analistas de mercado sobre o que procuravam na liderança e nas organizações. Os resultados indicam que o cenário empresarial será mais desafiador, com uma expectativa elevada de valor na capacidade transformacional tanto dos líderes quanto da própria organização.
O microgerenciamento é, possivelmente, uma das confirmações da preocupação que o mercado tem sobre a liderança atual e o consequente impacto no futuro do trabalho. Afinal, se os líderes atuais não estão prontos para gerenciar times mais autômos e capacitar equipes para tomar decisões complexas, não são líderes confiantes, disruptivos e abertos às novas possibilidades de negócios. Além disso, a comunicação faz parte de uma tendência do modelo de gestão com eficácia, principalmente após o novo conceito de relação de liderança mais empática que foi fortalecido durante o período pandêmico. Voltar para o modelo anterior a 2020 pode ser mais confortável, mas percebe-se cada vez mais que não é o caminho.
Em 2020, como já esperado, o sistema remoto foi adotado parcialmente pelas companhias brasileiras devido à pandemia e, com o distanciamento social, o acompanhamento das lideranças sob as tarefas diárias de trabalho foi reinventada. Um estudo da Korn Ferry, sobre tendências de RH para 2023, com referência ao ano de 2022, retratou o cenário do monitoramento de trabalho, por meio do home office, já no pós-pandemia. A pesquisa revelou que 35% faziam o monitoramento de seus profissionais por meio de softwares de controle e acompanhamento da jornada do colaborador.
“O microgerenciamento no trabalho remoto é uma prática que pode causar mais danos, se comparado com o modelo presencial. Isso porque a prática de monitoramento excessivo, vindo da liderança não disruptiva, limita a flexibilidade que o home office oferece e que seria um benefício na rotina trabalhista. Além de dificultar a construção de uma relação baseada em confiança entre gestor e time, por conta da sensação de pressão por alta performance e entrega constante”, analisa Araújo.
Mas por que os líderes fazem isso?
O conceito de show-up, ainda mais no contexto em que o trabalho remoto é adotado por grande parte das companhias, aparenta ser um dos pontos de extrema importância para que os líderes coloquem na balança o quão confiantes estão sobre cada colaborador e sua equipe. A falta de uma participação ativa é um dos pontos críticos para que as lideranças adotem um modelo mais “perseguidor” de gestão.
O presidente Brasil da Korn Ferry, Rodrigo Araújo, analisa os critérios para que as lideranças sejam mais efetivas. Segundo ele, a falta de demonstração de proatividade na equipe, o não aprimoramento das habilidades técnicas, uma comunicação ineficaz, escassez do comportamento ético e transparente vindo dos funcionários, falta de resiliência, desarmonia de trabalho em grupo, entre outros fatores, são as razões para os gestores sejam mais autocráticos. “Não devemos esquecer que todas essas causas somam, ainda, com a personalidade de cada liderança, o que acarreta diretamente no supermonitoramento das tarefas e responsabilidades”, conta.
Soluções no trabalho remoto
Rodrigo explica que o ato de se mostrar presente, ainda mais quando há trabalho à distância, é uma das soluções que podem ser bem-vindas. Se o colaborador mantém os gestores mais a par de sua rotina, pode aliviar o sentimento de necessidade de controle. Mas, não diminui a importância da autoavaliação da própria gestão e de seus superiores.
“Sabemos que o microgerenciamento pode causar rotatividade, e até mesmo, dificuldade de criar um plano de carreira para desenvolver e reter talentos. Além disso, não podemos neglicenciar os aspectos de cultura que ele traz, fazendo com que muitos profissionais enxerguem seus benefícios, mas não as consequências de suas escolhas e comportamentos. Sendo assim, cabe à liderança se atentar sobre como está sua gestão, monitorar seus feedbacks, buscar formas de trabalhar uma comunicação mais aberta, compreender as necessidades individuais de cada colaborador, adotar práticas que engajem e ferramentas que facilitem o trabalho de suas equipes, e ainda mais importante, definir metas e expectativas claras”, conta Araújo.
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